Os últimos

 Depois do momento de tristeza após a morte da cadela Batuta, Antônio jurou nunca mais criar cachorros. Já estava com sessenta e três anos e havia perdido a conta de quantos mascotes tivera e de quantas lágrimas derramara a cada perda de um amigo peludo. 

Nos últimos doze anos, Batuta foi quem fez companhia ao casal sexagenário com suas brincadeiras, correrias e com o sempre bem-humorado semblante canino. À medida que envelheceu, tornou-se mais tranquila, aconchegava-se junto a eles no sofá e dormia placidamente no tapete ao lado da cama. 

Determinado a não ter mais mascotes, recebeu, algumas semanas depois, a visita da filha, acompanhada dos dois netos. A pequena Luiza entregou ao avô uma caixa de sapatos com alguns furos na tampa e, ao abrir, o homem deparou-se com uma bolinha de pelos. O cachorrinho não devia ter mais do que dois meses, era branco, com algumas manchas pretas pelo lombo, a cabeça também era preta, com uma linha em forma de “V” alongado que iniciava na nuca e ia se estreitando até chegar entre os olhos. 

Trazia como característica as manchas arredondadas, na cor laranja na altura das sobrancelhas, o que demonstrava a característica de um Fox Paulistinha. Emocionado, o homem apanhou o filhote e o aconchegou no colo, junto ao peito. 

  • Vô, como vai ser o nome dele? - perguntou Augusto, o neto mais velho 

  • Último! Vai ser o Último - respondeu resoluto o homem. 

Menos de um mês havia transcorrido, quando veio visitá-los um amigo de longa data, veterinário, responsável por um canil que abrigava cães de rua. Marcelo trouxe um filhote já de uns três meses, um cachorrinho sem raça, amarelo, pelo baixo, já castrado e com as vacinas em dia. Apesar de sua decisão, Antônio não considerou a possibilidade de rejeitar o presente afetuoso de um amigo tão especial. 

Ante a pergunta do nome, seguiu a tendência manifesta diante dos netos e decidiu que esse seria o Último II. 

Antônio e a esposa costumavam caminhar diariamente na praça perto da casa e, em uma dessas caminhadas, foram seguidos por um cão esquálido e sarnento, com o lombo já sem pelo. O homem estalou os dedos, gesto que foi prontamente correspondido com um aceno de cauda do animal, que entendeu como um convite para unir-se ao casal na caminhada. 

Já em casa, pegou o telefone e entrou em contato com Marcelo, pedindo para marcar uma consulta, solicitando ao competente veterinário que cuidasse da saúde do Último III. 

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