O homem que domava metais

    Seu Doralício era ferreiro. Fazia do carvão em brasa seu coadjuvante no domínio que tinha sobre o metal. Do ferro em brasa ele tirava facas, facões, enxadas e alavancas para o trabalho diário na cidade ou no campo. Fazia ferro para carroças; para os arreios do cavalo, fazia estribo, freio e argolas para peiteira e laço.

    Encantava-me passar por ali e vê-lo puxando a corrente do imenso fole que soprava o carvão, para depois retirar o ferro vermelho em brasa e martelar contra a bigorna. Cada martelo era um tom. O martelo maior, que depois descobri chamar-se marreta, ele usava para a parte mais bruta, quando o ferro ainda não se amansara. À medida que a amizade do homem com o metal ia crescendo, diminuía o tamanho do martelo, o som se tornava mais agudo e mais suave. E dali saíam as ferramentas e adornos para o uso diário.

    Por conversar tanto com o metal, ele quase não conversava com pessoas, o que acredito ter sido o motivo de nunca me dirigir uma palavra sequer. Apesar disso, nunca demonstrou incômodo com a minha presença em pé, à porta da ferraria.

    Numa dessas ocasiões, encontre-o absorto ao lado da fornalha, segurando na tenaz um pedaço de metal pequeno. Retirou-o vermelho das brasas deu-lhe forma de U  e voltou a aquecê-lo. De volta à bigorna, achatou, marcou seis pontos onde fez furos com uma ponteira e em ato contínuo, mergulhou-o na água para temperar. A peça reclamou chiando e levantando uma nuvem de vapor e, depois de fria, o ferreiro virou de frente para mim e falou:

- Isto é um sapato de cavalo!

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