A Equação das Coisas Imperfeitas

O passar dos anos me concedeu certas habilidades que eu reconheço que não me pertenciam na juventude. Uma delas foi a indelicada mania, ainda que discreta, de prestar atenção nas conversas dos outros. Faço isso no transporte coletivo, onde a miscelânea cultural por vezes me assusta, pela imensa estupidez de certos comentários mas, por outro lado, me surpreende pela filosófica profundidade de frases feitas, jogadas ao acaso.

Outro dia, duas senhoras comentavam sobre o falecimento de um conhecido. Ambas rasgavam elogios àquele que, deduzi, foi colega de trabalho e, ao que tudo leva a crer, era professor de matemática, o que me levou a associar aquelas duas senhorinhas a um longo período de exercício do magistério.

Estava chegando a meu destino e confesso que tive vontade de saltar do ônibus em outro ponto, com o intuito de ouvir mais um pouco da conversa. Entretanto, pressionado pelo horário marcado, acionei o sinal de parada e, quando me levantei do assento, ainda ouvi uma delas dizer em um suspiro:

- A vida é uma equação insolúvel...

Frasezinha simples, mas que me tocou ao comparar vida e matemática. Realmente, a vida não é uma ciência exata, daquelas que resolvemos no sétimo ano, de lápis afiado e respostas no fim do livro. É uma matemática molhada de café derramado, onde o x da questão vive fugindo da solução e os números têm vírgulas emocionais.

Nesse problema, as constantes conhecidas são a passagem do tempo, a previsibilidade da morte, contagem regressiva iniciada quando saltamos para fora do útero, e a certeza da imperfeição, evidenciada no resultado das decisões que acumulamos dia após dia.

Ser imperfeito exige Coragem. Com “C” maiúsculo, uma variável esquiva que nos persegue a cada segundo. Ela não é um número redondo: Se fosse uma probabilidade, talvez possamos atribuir um valor de 3,7 numa escala de 0 a 5. É o jeito que damos ao enviar uma mensagem sem revisar. Quem nunca falou três vezes antes de pensar, quando deveria ter feito o contrário?

Na nossa fórmula surge uma outra constante de peso, representada pela Vulnerabilidade, somada ao Medo do Julgamento. Quem sabe isso não deveria ser ensinado nas escolas? Não para decorar, mas para riscar no caderno de capa dura, ao lado dos rabiscos de tédio, considerando que a vida real se parece mais com um rascunho de provas: os primeiros passos são garranchos, até que, sem aviso, viram arte.

Lembro-me da minha avó costurando retalhos. "O ponto feio fica escondido no avesso", dizia, enquanto juntava panos sem combinar. Sua coragem de ser imperfeita era alta. Ela sabia que uma colcha de retalhos não precisa de simetria para aquecer o corpo.

Já eu, levava semanas para publicar um texto. Como aluno em dia de exame, ficava recalculando a equação: E se a plateia rir? E se o resultado for o zero perfeito? Até que um dia, ao despertar e antes de sair da cama, descobri que imperfeição não é erro – é um tipo de solução.

Talvez a verdadeira conta da vida não esteja no resultado, mas no resto da divisão: aquilo que sobra quando tentamos, falhamos e, contrariando a lógica, assinamos nosso nome embaixo.

 

Comentários

  1. Parabéns Hélio! Que texto maravilhoso! Eu também gosto de ouvir essas conversas "soltas" 🤭 E hesito bastante ao tecer qualquer comentário escrito.🙄

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