O grão de trigo – uma crônica de despedida

         Imagino que o vento ao qual Caetano se referia, que sopra a areia do Saara sobre os automóveis de Roma, estivesse vagando pela Praça de São Pedro quando o melancólico e triste badalar do sino anunciou o fim da jornada do Sumo Pontífice.

Francisco, um bonaerense nascido Jorge Bergoglio, levou ao Vaticano a calorosa receptividade latina, trocando o frio beijo no anel papal pelo fraterno abraço; mostrou ao mundo que o evangelho de Cristo, mais do que lido nos suntuosos salões romanos, pode – e deve – ser vivido todos os dias, em todos os cantos do mundo e não teve medo de erguer a voz pelos oprimidos, como se lê em Isaías 1:17 “Aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão, tratai da causa da viúva”.

O barco de São Pedro, agora sem timoneiro, jogou âncora e estacionou, à espera daquele que vai ocupar o trono papal. A expectativa sobre o novo pontífice é imensa. Será que ele colherá a herança bendita de Francisco, a abertura ao diálogo, a urgência na reforma de estruturas que perpetuam a desigualdade?

Haverá retrocesso? Ou os fundamentos de uma igreja moderna, lançados por Francisco serão solidificados, construindo uma visão mais ampla e abrangente do grande manto católico, acolhendo os excluídos, os LGBTQUIAPN+ e dando, de fato, mais protagonismo à mulher?

Quando fui ministro da Eucaristia e tinha por hábito, e por força das celebrações, ler o livro santo, encantei-me com o sermão da montanha, onde o Cristo acolhe os que tem fome e sede de justiça, os mansos de coração e se propõe a ser a voz dos que não têm voz, o defensor dos vulneráveis, o construtor de pontes em um mundo fraturado.

O filho de Deus ainda cita o grão de trigo que se, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. Francisco foi esse grão quando assumiu a opção preferencial pelos pobres do mundo todo, trocou a luxuosa residência papal por uma suíte modesta na Casa de Santa Marta e, como último desejo, pediu para ser sepultado em um caixão simples, na Basílica Santa Maria Maggiore.

Choramos a partida do pastor amado, mas confiamos na força da semente que ele plantou. Que o Espírito Santo ilumine o conclave, para que dele surja um novo líder capaz de seguir os passos de Francisco, mantendo acesa a chama da esperança e guiando a Igreja rumo a um futuro em que a justiça e a paz floresçam em abundância. O grão morreu, mas a promessa de muitos frutos nos impulsiona a seguir em frente, com a fé renovada na força transformadora do Evangelho.

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