Mestre Teneco

    Mestre Teneco era sambista. Era mestre não se sabe de que artes, já que mal sabia desenhar o próprio nome. Ostentava no dedo da mão direita um belo anel com uma safira azul, que comprou em um arrobo de vaidade, sacrificando a comida de vários dias na mesa da família e que, algum tempo depois, alguém lhe disse que era um anel de formando em engenharia.

    Foi o suficiente para dar-lhe a ideia de criar o Bloco dos Engenheiros, composto em sua grande maioria pelos operários que carregavam sacos de arroz no engenho. Irônicos e debochados, tomaram para si o nome do bloco carnavalesco. Além deles havia os serventes da construção civil, os garis, as mulheres da esquina do boteco do Justa, e toda a vizinhança do bairro, que fazia da rua o palco para a festa do carnaval.

    Além de carnavalesco, Teneco tocava atabaque na terreira do Pai João, onde as batidas convocavam as entidades com seu ritmo cadenciado e forte. Em contrapartida, causavam profunda irritação em alguns vizinhos, principalmente nos fiéis do pastor, que o viam como uma figura servil ao príncipe das trevas. Alheio às opiniões deles, o mestre seguia seu ritmo, alegre como o repique das caixas de guerra.

    Quando chegava tempo do carnaval, reunia os tambores do bloco em um círculo, com as cabeças viradas para o centro, onde acendia uma fogueira. O fogo distendia o couro, que estalava e rangia baixinho e era como se atabaques, tambores de sopapo e surdos de marcação conversassem entre si, antevendo os tempos das batidas que iam muito além do mundo dos vivos, chegavam ao infinito e faziam Obaluaiê dançar nas amplidões de Aruanda.

    Em uma terça-feira gorda, enquanto tocava um surdo estampado com o símbolo de Oxóssi, o mestre recebeu o chamado para se apresentar diante das divindades que venerava. Tomado pela emoção, sentiu saudades de um lugar que ele nem sabia existir. Era lindo, iluminado pelo sol de Oxalá e o clima era suave e aconchegante, tal como o colo da mãe. 

    Envolto em um clima de imensa felicidade, suspirou profundamente, interrompeu as batidas e cedeu ao enlevo que aquela sensação lhe provocava. Sentiu uma ponta de angústia pela dor, que parecia rasgar-lhe o peito e, ato contínuo, deitou na calçada, no momento em que o sol surgia. 

    Quando fechou os olhos, viu uma luz amarela, e sentiu nela a presença de Exu do Ouro, o mensageiro dos Orixás, que vinha cumprir um mandado. A entidade abriu o manto dourado, estendeu-lhe a mão e o mestre se deixou conduzir. No corpo estendido no chão, o coração foi batendo fraquinho, fraquinho, mais fraquinho, como o burburinho de um bloco de carnaval que vai se afastando.

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